segunda-feira, 7 de abril de 2008

O casal perfeito

A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres.
Isso eu disse e escrevi - e repito - em dezenas de palestras
por este país afora. Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito:
bom para quem gosta de desafios.O casal perfeito seria o que sabe
aceitar a solidão inevitável do ser humano, sem se sentir isolado
do parceiro - ou sem se isolar dele? O casal perfeito seria o
que entende, aceita, mas não se conforma, com o desgaste
de qualquer convívio e qualquer união?Talvez se possa
começar por aí: não correr para o casamento, o namoro,
o amante (não importa) imaginando que agora serão
solucionados ou suavizados todos os problemas - a chatice
da casa dos pais, as amigas ou amigos casando e tendo filhos,
a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas e sexo difícil
e sem afeto.Não cair nos braços do outro como quem cai
na armadilha do "enfim nunca mais só!", porque aí é que a
coisa começa a ferver. Conviver é enfrentar o pior dos inimigos,
o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o incansável: o tédio,
o desencanto, esse inimigo de dois rostos.Passada a primeira fase
de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio
nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito.
Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar.
A querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar;
a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e
não fique grudado na gente.O cotidiano baixa sobre qualquer relação
e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio.
A conta a pagar, a empregada que não veio o filho doente, a filha complicada,
a mãe com Alzheimer, o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça
e o patrão de mau humor.E a gente explode e quer matar e morrer, quando
cai aquela última gota - pode ser uma trivialíssima gota - e nos damos conta:
nada mais é como era no começo. Nada foi como eu esperava.
Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer.
Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos guerreiros ou
nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos,
os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso
inventar um jeito de recomeçar, reconstruir. Na verdade devia-se
reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação.
O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação,
a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar
é o resultado, não o meio. Um amigo disse no aniversário de
sua mulher uma das coisas mais belas que ouvi: "Todos os dias de
nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher"
.Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente.
Ao menos de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar:
como anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim?
Se não quero, o que posso fazer para melhorar? Quase sempre há
coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas.
Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado,
como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer
uma viagem, de mudar de profissão.Nós nos permitimos muito pouco
em matéria de felicidade, alegria, realização e sobre tudo abertura
com o outro. Velhos casais solitários ou jovens casais solitários dentro
de casa são terrivelmente tristes e terrivelmente comuns.É difícil?
É difícil. É duro? É duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já
é um ato heróico, dizia Hélio ellegrino. Viver é um heroísmo, viver
bem um amor mais ainda. O casal perfeito talvez seja aquele que
não desiste de correr atrás do sonho de que, apesar dos pesares,
a gente, a cada dia, se escolheria novamente, e amém.

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